sábado, 24 de novembro de 2012

Sentir em Público


Quando eu fiz 15 anos, por uma oportunidade que surgiu na escola, comecei a estudar violino. Eu já frequentava as aulas de música desde os 11 e me entusiasmei bastante com a ideia de fazer um upgrade de instrumentos. Deixei de lado aquelas limitadas flautas doces que tocavam Asa Branca para começar um instrumento que eu considerava "um instrumento de verdade!". 

Mas o que tornava o violino mais verdadeiro do que a flauta doce? Não sei (até hoje tenho minha contralto guardada no armário e continuo super negligente com a prática do violino). Mas acredito que pequenos fatos corriqueiros nos dão alguns indícios e um desses momentos foi a primeira vez em que eu ouvi falar sobre um tal de Paganini...

Paganini sensualizando com seu violino                             

Paganini era um violinista do século XIX, ficou muito famoso por suas apresentações, era uma espécie de Arcade Fire da época, o público pirava durante os seus shows! Ele se entregava ao momento de uma tal forma que conseguia se desvencilhar do tempo presente para levar a atenção do público a uma outra dimensão, sensorial e elevada, diante da performance que se estruturava nos pilares da relação entre o Artista e sua Arte (dois elementos, tipo "Mutual Core" da Bjork, sabe?).

Existem muitas ideias que tentam explicar essa coisa que sentimos diante da performance artística, aliás, acho que desde os gregos com o seu conceito de belo a gente tenta explicar o que ocorre durante esse processo. No caso do Paganini, do Arcade Fire e até da própria Bjork, eles configuram a ideia de uma "personalidade dominante em sociedade", e existem muitas formas de interpretar esse termo: Weber dizia que pode ser a significação de alguém que faz para os outros aquilo que estes não podem fazer por si mesmos, é o que conhecemos como carisma. Já um outro cara, Erikson, relacionava o carisma com alguém que faz pelos outros aquilo que nem ele pode fazer por si mesmo.

Bjork e a união das partes no video de "Mutual Core"

Mas, na minha opinião, foi Richard Sennett (um dos meus autores favoritos!) que matou a charada quando chegou à sua própria e belíssima noção de carisma:

"Pode ser alguém que mostra aos outros que ele pode fazer por si mesmo aquilo que os outros deveriam fazer por ele mesmo: ele SENTE em público. Verdadeiramente, ele choca a sua platéia com o seu sentir"

Na base desse conceito estão as principais ideias que constituem o nosso senso de "performance". É uma característica das circunstâncias sociais e culturais em que vivemos que para muitos o termo performance seja associado ao termo drag queen. Isso é algo muito representativo, e como sempre de uma maneira ou de outra eu persegui as ferramentas da expressão artística em todos os setores da minha vida, naturalmente aprendi com o tempo que nessas ideias existe um caminho se abrindo diante de mim.

Por natureza, já vivemos em um país difícil, onde as artes nunca foram e ainda não são valorizadas, a maior parte da população não tem acesso a direitos humanos básicos e a elite que está no poder faz questão de manter a mentalidade provinciana que rege o nosso cotidiano. E para a nossa geração as coisas parecem ser muito mais difíceis do que jamais foram porque não existem mais sistemas ou fórmulas prontas, temos que construir nosso próprio caminho, encontrar os próprios meios de usar a internet a nosso favor para fazer algo que soa ridículo para muitos: viver de arte.

Meninas que mal sabem o que é internet, acompanham os bastidores de uma cena da série.

Há muitos entendidos por aí proclamando aos quatro ventos que o público morreu, o público está esvaziado, não é mais possível atingir o público, o público deixou de reagir porque hoje, com a tecnologia, tudo é possível, tudo já foi feito e tudo é liberado, etc... não sei até que ponto levo essas afirmações à sério, principalmente porque no nosso caso as pessoas que defendem esse discurso são as mesmas que tem o poder de alterar a engrenagem da comunicação de massa que molda o gosto do público. 

O público não sabe de nada, o gosto do público é moldado, não digo no sentido pejorativo, mas no sentido comercial da coisa. Se o diretor artístico de uma major (gravadora grande) diz que hoje o público só quer saber de besteiras como o Luan Santana, ele é um idiota, ele é mais idiota do que acha que seu público é, porque se esquece que é ele que empurra o Luan Santana goela à baixo das pessoas.

Se ele se esforçasse mais em seu trabalho e tivesse critérios e caráter para lançar artistas de qualidade, o público também compraria seu barato. O público compra qualquer coisa, vide o estardalhaço que foi essa nossa falsa Black Friday. Se tem uma fórmula pronta que continua intacta, essa é a soma entre dinheiro e comunicação de massa.

Diante desse massacre do público, como, através da performance artística, posso mostrar aos outros o que eles podem fazer por si próprios?

Capinando mentalmente com o Victor, assistente de direção, para ter a marcação da cena.

O sentir em público parece não ter mais efeito sobre as pessoas, elas parecem não se comover com nada, sentimentos frívolos, rápidos, desejos instantâneos (admiro você leitor que chegou até aqui e não abandonou esse texto pela metade), declarações de indignação existem para preencher lacunas de conversas bobas, fica claro que a conversa precisa existir (é uma necessidade humana), mas seu conteúdo não parece ter a mesma importância.

John Waters (um dos meus diretores favoritos de todos os tempos!) percebeu essas coisas logo nos primeiros anos de sua carreira, lá pelo início dos anos 70 (e você aí achando que problemas criativos com o gosto do público é uma questão contemporânea... rs). E para driblar o obstáculo da rigidez apática inerente a um público que não reage com nada, ele teve uma ideia genial! Além de ter uma Drag Queen como protagonista, ele solucionou (de verdade!) o problema criando um novo conceito de Belo.

Esse novo conceito de Belo e as possibilidades mais amplas do sentido de performance são temas para futuros posts, o que me interessa nesse momento é compartilhar o meu processo criativo através da articulação e construção dos pensamentos que levaram ao surgimento de "Capim Mulambo".

John Waters, Pat Moran (responsável pelo seu cast) e Glenn Milstead (Divine desmontada): Inspiração pra vida!

Há algum tempo, na minha cabeça, eu trabalho nessa história ambientada nas favelas da Maré. Há alguns anos, no dia-a-dia, tenho convencido alguns amigos que começaram a trabalhar essa ideia junto comigo. Há alguns meses, na prática, conseguimos materializar essa ideia e agora estamos todos trabalhando e nos preparando para o lançamento.

A forma websérie através da qual essa ideia será apresentada ao público é a maneira mais prática e imediata (leia-se economicamente viável) que fomos capazes de conseguir/encontrar, mas Capim Mulambo vem de um universo muito maior com suas peculiaridades complexas. Existem várias ramificações, existirão filhotes pré e pós Capim Mulambo, existirão outros formatos, outros produtos! Outras novidades! E eu fico me coçando de tanta ansiedade que eu sinto! E tenho trabalhado bastante para poder falar dessas outras ideias, novidades, em breve.

Eu não escrevia nesse blog há mais de quatro anos e achava que nunca fosse voltar a escrever, mas as coisas mudaram bastante pra mim ao longo do tempo, há quatro anos atrás eu nem sonhava em cursar cinema na faculdade e Capim Mulambo ainda não existia. Além de ter mudado o layout, é claro, tranquei todas as postagens antigas porque não fazem mais sentido para a pessoa que eu sou hoje, e talvez esse texto também não fará mais sentido na minha vida no futuro. Retomei esse blog porque quero compartilhar com vocês essas coisas que eu venho pensando, esse diário de bordo de Capim Mulambo. Nossa aventura com essa empreitada já começou, não sei o que será no futuro, mas tenho muita certeza do agora e sei que para chegarmos no futuro, precisamos fisgar! E para fisgar, eu retomei esse blog e escrevi esse texto: eu senti em público.

Nenhum comentário: